A ESPONTANEIDADE QUE FALTA
Por Marcio Aurelio Soares
O futebol está de volta após as merecidas férias dos jogadores e das equipes técnicas. Os torcedores já começavam a sentir os efeitos da abstinência, com a falta da bola rolando no gramado. Retornam os jogos, e com eles, as entrevistas e os comentários dos jornalistas esportivos. A rotina segue inalterada: uma entrevista de cada time no intervalo e uma coletiva do técnico ao final da partida. À frente do painel repleto de patrocinadores, o jornalista, ou a jornalista, sempre encontra um atleta suado e ofegante. Ao jogador, que até aquele momento estava perdendo, a jornalista pergunta:
— E aí, como foi a partida? O que você pode esperar para o segundo tempo?
Responde o jogador, entre uma puxada de ar e outra:
— Primeiramente, quero agradecer a Deus, aos meus familiares e amigos que estão aqui no estádio torcendo por mim. Só eles sabem o que já passei para chegar até aqui. Também quero agradecer à diretoria e a toda a equipe técnica. Fizemos um bom jogo, mas perdemos algumas oportunidades. Agora, é hora de levantar a cabeça e ver o que o professor vai nos dizer no vestiário.
Finaliza a jornalista:
— Fica com vocês aí no estúdio.
Pano rápido, entra o jornalista, à frente do mesmo banner publicitário, desta vez com o jogador da outra equipe.
— E aí, como foi a partida? O que você pode esperar para o segundo tempo?
Responde o jogador, entre uma enxugada e outra no suor:
— Primeiramente, quero agradecer a Deus, aos meus familiares e amigos que estão aqui no estádio torcendo por mim. Só eles sabem o que já passei para chegar até aqui. Também quero agradecer à diretoria e a toda a equipe técnica. Fizemos um bom jogo, mas perdemos algumas oportunidades. Agora, é hora de levantar a cabeça e ver o que o professor vai nos dizer no vestiário.
Não é preciso estar muito atento para perceber que as perguntas foram as mesmas e as respostas igualmente dentro de um script, certamente decorado conforme a orientação de cada empresário.
Ao testemunhar essas falas monotonais e sem conteúdo, lembrei-me recentemente do jogador Marinho, que, na época, defendia o Santos F.C. Ele deu uma entrevista após uma partida contra o Botafogo, em 2019, na qual marcou um golaço de fora da área com um chute de trivela que enganou o goleiro, que foi para um lado, e a bola foi para o outro. Em sua entrevista pós-jogo, com a simplicidade e espontaneidade que o caracterizavam, respondeu ao repórter:
— Esse foi mais um mini-míssil aleatório.
Por fim, ainda chamou seu treinador, Jorge Sampaoli, de "maluco do bem". A declaração virou meme, e a torcida foi ao delírio, gritando seu nome a plenos pulmões nos jogos seguintes.
Não demorou muito para que Marinho, que em seguida, passou a evitar entrevistas, se pronunciasse, dizendo que havia sido orientado por seu empresário a se "resguardar, com o objetivo de ser levado a sério em sua profissão".
Não seria o contrário, Marinho? Futebol é competição, mas também é arte. Transformaram os atletas brasileiros em espelhos dos europeus, que têm características próprias: são competitivos, mas poucos são artistas, como Pelé e Garrincha, capazes de trazer alegria ao torcedor; assim como Dadá Maravilha e tantos outros, como Robinho, com suas pedaladas no início da carreira.
E o que fizeram com Robinho? Deixaram sua arte morrer e o transformaram no que ele é hoje. E o que fizeram com Neymar? Um artista com a bola no pé, uma máquina de fazer dinheiro. Suas entrevistas são risíveis, com seu par de brincos de brilhante e muletas debaixo dos braços. Mimado e monstruoso, como disse Tite em 2017.
Quem são eles, que deixaram de ser artistas para se transformarem em grandes máquinas de uma engrenagem, que tem a imprensa como cúmplice? E o torcedor... Ah, o torcedor, esse não sabe — ou faz de conta que não sabe — de nada.
*Médico