A função social do Funk
* DJ Cuco
É comum encontrar quem deseje a morte de todos os funkeiros. Uma vez, um rapaz foi fazer um serviço na minha casa e soltou no meio da conversa: “Funkeiro tinha tudo é que morrer”. Eu, como um produtor musical que ganha a vida com Funk e Rap/Hip Hop, tive que perguntar onde ele morava, ao que ele respondeu: “Vila Margarida-SV”. Automaticamente, eu retruquei: “Tu quer matar teus vizinhos mesmo?”.
Mais comum ainda é encontrar youtuber colocando a culpa de todos os males da humanidade nos funkeiros, e isso me incomoda muito. É um preconceito de classe. É o “nojo de pobre” se mostrando, entre os anúncios de SUVs ou viagens, na plataforma.
O Funk é uma cultura. E é popular. Tem características próprias de linguagem, música, moda, estilo de vida e por aí vai. Nos bailes, o pessoal se encontra, faz amizades, flerta, bebe e obtém, naquele momento, uma recarga “no life” pra recomeçar a semana que, salvo algumas exceções, é sofrida demais.
O jornalista Álvaro Borba, do canal Meteoro Brasil, no Youtube, explica num de seus vídeos:
“... As peças de Sófocles, hoje citadas por quem quer demonstrar alguma erudição, também eram extremamente populares na Grécia antiga. Inclusive na Antiguidade Clássica, os textos de Sófocles cumpriam a mesma função de um BBB: Catarse! ... Catarse significa purificação, seja da mente, da essência ou do espírito. Se você se sente triste, oprimido ou tenso, uma descarga emocional poderia mudar, ao menos temporariamente, o seu estado de espírito.” E segue explicando que Freud utilizou o conceito de catarse na Psicanálise para descrever o processo de quem se liberta das suas amarras, dos seus traumas e das suas limitações; para dizer que essa catarse que podemos ter com Sófocles, BBB ou Baile Funk é uma catarse de entretenimento e não psicanalítica.
Canal Meteoro Brasil:
Dito isso, qualquer excesso que, a olhos alheios ao meio do Funk ou da vida noturna em geral, possa haver, será diretamente proporcional ao tamanho da carga emocional que o público ali presente tem para exorcizar. O uso recreativo de drogas (lícitas e ilícitas, porque bebida alcoólica também é droga) e a prática de sexo casual podem levar quem vive uma vida mais pacata a acreditar que tudo o que acontece ali é errado ou “do demônio”, e isso simplesmente não é verdade. Para além das peças de Sófocles, a filosofia de boteco nos ensina que ninguém é 100% bom, nem 100% mau. A gente expressa nossas singularidades no nosso modo de vida (ou eu deveria dizer “de consumo”). Expressamos o que somos quando fazemos o que fazemos, da forma que fazemos. E as nossas diferenças, por maiores que sejam, devem ser respeitadas.
O Funk é necessário tanto quanto qualquer outra forma de se fazer cultura.
* DJ Cuco é rapper, produtor musical, agitador cultural, gestor de projetos culturais e recém-formado em Tecnologia em Gestão Pública. Atua há mais de 20 anos na cena da cultura urbana e periférica da Baixada Santista. É proprietário do Estúdio Bom Bando.