A Seleção Brasileira é do Brasil?
* Marcio Aurelio Soares
O time de futebol liderado pelo técnico Tite, representa oficialmente a CBF – Confederação Brasileira de Futebol, órgão dirigente máximo do futebol no Brasil. Sem qualquer relação jurídica com o governo brasileiro, a CBF é uma associação privada constituída pelas federações estaduais. A adesão ao futebol cresceu tanto no mundo, que se tornou o esporte mais popular do planeta, o que Charles Miller, ao final do século XIX, jamais poderia imaginar.
A sua grandiosidade está na quantidade de atletas que praticam o esporte e nos números de torcedores e torcidas organizadas nos quatro cantos do planeta, que, calcula-se, faz movimentar mais de cem bilhões de reais, e o jogador Neymar ganhar algo em torno de 15 mil reais por hora.
O futebol se transformou de uma atividade esportiva em uma das maiores indústrias que chega a movimentar valores maiores que o PIB – Produto Interno Bruto – da metade dos países filiados à ONU – Organização das Nações Unidas.
A peça fundamental do futebol que é o jogador, não se limita mais a jogar com a bola dentro das quatro linhas do campo gramado. Além disso, ele passou a vender sua imagem num mundo cada vez mais midiático.
Sempre presentes nas mídias, Neymar e alguns outros transitam em muitos territórios e ditam hábitos e costumes; e, por causa deles, os clubes que os contratam atraem novos patrocinadores, recebem mais por cotas de TV, aumentam a receita de estádios e conseguem vender mais produtos licenciados, como chuteiras, escolinhas de futebol, canecas e toda bugiganga que se possa imaginar. Tem muito dinheiro envolvido nisso tudo e aí a torcida torna-se outra.
Nas últimas décadas, todos os presidentes da CBF eleitos pelas federações estaduais estiveram envolvidos em corrupção, foram banidos do futebol pela FIFA – órgão internacional de regulação do esporte – e, até mesmo, presos. João Havelange, Ricardo Teixeira, José Maria Marín e Rogério Caboclo. Este último foi afastado recentemente por denúncia de uma funcionária da confederação por assédio moral e sexual.
Conta a história que Preguinho (João), jogador do Fluminense, foi o autor do primeiro gol da Seleção Brasileira em Copas do Mundo, no Uruguai, em 1930. Amador, mesmo depois que o esporte foi profissionalizado, nunca admitiu receber dinheiro por suas façanhas, que também passavam pela natação. Seu irmão mais novo, Mano (Emmanuel), também era jogador de futebol e teria morrido em consequência de uma bolada na cabeça durante um jogo. Ambos eram filhos de Coelho Neto, cronista, romancista, crítico de arte, teatrólogo e membro fundador da ABL – Academia Brasileira de Letras.
Segundo o grande jornalista esportivo Luiz Mendes, nos idos do início do século passado, ir ao estádio era um ato de elegância, nas Laranjeiras, estádio do Fluminense. As mulheres usavam vestidos de alta costura, chapéus, luvas; mesmo que a temperatura no Rio de Janeiro estivesse por volta dos 40 °C.
Nas arquibancadas, os homens usavam a palheta, um chapéu de palha muito comum na época. Os diretores do clube, vestiam-se de fraque e cartola. Imaginem! Tendo os filhos participado de um jogo no dia anterior, em uma de suas crônicas para o jornal, Coelho Neto teria cravado a expressão “torcedora” e “torcedor” ao se referir às mulheres que torciam suas luvas e aos homens que torciam seus chapéus encharcados de suor pelo calor e pela ansiedade do jogo ganho pelo Fluminense nos últimos instantes da partida. Quanto aos dirigentes de futebol, passaram a ser chamados de cartolas do futebol. Até hoje um dos símbolos do tricolor carioca.
Preguinho fez história no Flu e no futebol. Coelho Neto tornou-se um imortal das letras. E o Neymar e os seus companheiros de Seleção Brasileira, qual legado nos deixarão? O futebol é do Brasil, mas não tenho certeza quanto à Seleção Brasileira. Mesmo sem usar chapéu ou luvas três quartos, está difícil torcer.
12 de julho de 2021.
* Marcio Aurelio Soares é médico, cronista e militante político.