Bruxas
Por Alcione Marinho de Moura
Silvia Federici, filósofa italiana, estudou o fenômeno de “caças às bruxas” na Idade Média e constatou que a grande maioria eram mulheres viúvas, dona de propriedades, mulheres idosas que viviam sozinhas, esposas que não obedeciam aos maridos. Praticamente funcionou como uma punição para mulheres fora do padrão social, ou como um meio de eliminar pessoas que de alguma forma atrapalhavam os interesses de quem intencionava aumentar suas propriedades.
A prática de feitiçaria deixou de ser crime desde o primeiro Código Penal brasileiro de 1830. Desde a década de 90, o Brasil tem leis para punir a intolerância religiosa embora não cite especificamente a bruxaria. A Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra qualquer prática religiosa.
Não tem muito tempo, em um bairro de periferia da cidade de Guarujá, litoral da São Paulo, surgiu um boato que havia uma mulher sequestrando crianças para fazer feitiços. A falsa notícia se multiplicou nas redes sociais, inclusive com retratos falados. Depois de algum tempo não se comentava outra coisa, a não ser sobre a bruxa que raptava e matava crianças, para fazer feitiços com o coração e os olhos.
Bastou uma pessoa fazer a acusação: “É ela!” E uma mulher inocente, Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, uma antiga moradora do bairro Morrinhos IV foi amarrada e espancada a socos, pauladas e pontapés em um dia de maio de 2014.
A polícia recebeu 17 ligações de números diferentes relatando o linchamento de Fabiane. Quando chegou e conseguiu ter acesso, o crime já estava consumado.
O extraordinário é que os retratos não se pareciam em nada com Fabiane — que morreu por ser confundida com a suposta sequestradora. Se o linchamento já não fosse bárbaro o suficiente, ele fica ainda mais cruel porque o crime divulgado jamais existiu de fato: a polícia confirmou, posteriormente, que jamais houve quaisquer denúncias sobre sequestros de crianças no Guarujá.
Cinco agressores foram julgados e condenados cada um a 30 anos de prisão, baseado nos vídeos feitos pelos próprios moradores.
Já ouviram falar em “efeito de manada”? É o comportamento de multidões quando impactadas por um sentimento de forte comoção. Quem navega pela Internet, a todo momento pode testemunhar reações coletivas exacerbadas, sem refletir sobre o fato em si, apenas se deixando levar pela coletividade. O limite dessa aberração é o linchamento.
De certa forma, essa manipulação da multidão ameaça nossa democracia, pois a usam para legitimar os piores equívocos. Será que existe uma vacina para o comportamento de manada? O conhecimento, e somente ele, pode ser esclarecedor contra os mitos e os preconceitos criados para subjugar e oprimir, especialmente, as mulheres.
* Alcione Marinho de Moura é médica, mãe, trabalhista e feminista.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal Raiz Trabalhista.