Além disso, parte dos US$ 100 bi foi entregue na forma de empréstimo – o que aumenta a dívida dos países. A demanda das nações em desenvolvimento é que o tal NCQG estabeleça que a maior parte do novo recurso seja na forma de doação ou concessional (com condições melhores do que de empréstimos regulares).
Mas imagine a situação. Se nem os US$ 100 bilhões foram alcançados direito, qual é a confiança de que vai se pagar mais? Com o agravante de que hoje um dos enroscos do debate é que os US$ 100 bi eram de responsabilidade apenas dos países desenvolvidos, que estão pressionando para que se aumente a base de doadores, incluindo os em desenvolvimento que estão mais bem na fita, como a China. Possibilidade fortemente rechaçada por essas nações.
“Essa é uma discussão que eu considero razoavelmente inútil, porque o G77+China [bloco dos países em desenvolvimento no âmbito das negociações das COPs] está absolutamente fechado com relação à essa possibilidade”, afirmou o embaixador André Correa do Lago, chefe dos negociadores brasileiros, em entrevista à imprensa há algumas semanas.
Não que eles não estejam dispostos a colocar dinheiro na mesa, mas só querem fazer isso de forma voluntária, não obrigatória. Isso, dizem, é responsabilidade de quem mais contribui para as mudanças climáticas – as nações ricas.
Na mesma entrevista, a secretária de Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, frisou a importância dessa negociação. “Eu vejo o financiamento como pilar de confiança do Acordo de Paris. Quando ele foi finalizado, [o fato de se concordar] que viria dinheiro dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento foi fundamental para que o acordo acontecesse. Então é quase um fiel da balança de confiança no próprio Acordo de Paris”, disse.
Este já era o difícil contexto em que se desenrolaria a COP de Baku. Aí Trump ganhou as eleições nos EUA.
Não que Biden seja o líder climático dos sonhos nem que Kamala Harris tenha feito da crise climática sua bandeira de campanha. Mas eles levam a sério o problema. Bem verdade também que os americanos sempre jogaram duro nessas negociações, mesmo nas gestões democratas, e eles sempre entregaram menos do que se espera e do que eles devem – visto sua contribuição histórica gigantesca ao problema. Ou seja: não havia grandes expectativas. Mas Trump vai abandonar o barco num momento crucial, o que pode azedar os humores dos demais.
“Logicamente vai ter um impacto grande”, me disse nesta quarta Ana Toni, logo que foi anunciada a vitória do republicano. Mas ela buscou mostrar confiança no multilateralismo, lembrando que isso já aconteceu uma vez, e o sistema climático internacional resistiu. “A comunidade climática já passou por isso. Talvez a tristeza seja a mesma, mas o susto… a gente já sabe um pouco o que foi. Sabemos que vai ter um baque, mas agora a gente tem de assegurar o sistema multilateral e acreditar que é ele que vai ajudar a gente a resolver o tema da mudança do clima. Não seria de maneira unilateral”, afirma.
No primeiro mandato de Trump (2017-2021), ele também abandonou o Acordo de Paris, revogou uma centena de regulações ambientais e incentivou os combustíveis fósseis – como promete fazer de novo, com seu lema “drill, baby, drill”. Ainda assim, a transição energética no país seguiu o ritmo ditado pelo mercado, e as emissões americanas diminuíram um pouco. Só que bem aquém do necessário, já que o país continua como o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo.
Joe Biden retomou muita coisa que Trump tinha desfeito e conseguiu aprovar a Lei da Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), que injetou US$ 390 bilhões em incentivos para energias limpas e veículos elétricos, o que é considerado a maior política climática que os Estados Unidos já tiveram. Ainda assim, o país bateu recorde de produção de petróleo e gás na gestão do democrata. Sim, caro leitor, é uma no cravo, outra na ferradura.
Só que veja que Trump disse que vai revogar o IRA – algo que depende da aprovação do Congresso e pode não ser tão simples–, porque mesmo os republicanos foram beneficiados com a política. Mas Trump quer acabar com incentivos para fontes renováveis e incentivar mais e mais petróleo, que ele chama de ouro líquido. Há estimativas de que as emissões americanas podem subir. |
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