Grife de Luxo não quer ser de Periferia
*DJ Cuco
O Funk Ostentação foi um fenômeno social muito forte. Exaltou toda a alegria do aumento da renda e da inclusão pelo consumo nas quebradas. Até que passou, mas só em partes. Apesar de ter perdido o pódio para outros estilos de Funk, sua estética se firmou de uma maneira geral, como linguagem, no Funk e também no RAP aqui no BR.
O estilo de vida estampado nas produções audiovisuais com iates, aviões e mansões se adaptou à cultura de quebrada, mesclando imagens de bairros periféricos com alguns carros, algumas motos e muitas roupas e artigos pessoais de luxo.
No enredo de muitas músicas a narrativa passa por descrever com detalhes as peças do vestuário, exaltando as marcas que os artistas estão “portando”. Essas marcas são exaltadas como símbolo de conquista, como prova de ascensão social, como símbolo de poder. Poder comprar. Acontece que essas marcas nem sempre querem estar associadas a jovens periféricos. Na época dos rolezinhos, havia marcas procurando consultoria por querer distanciar sua imagem da dos rolezeiros. Algumas outras entenderam que podiam ampliar seu público.
No dia 3 de agosto a Lacoste, marca francesa, lançou sua conta brasileira no Instagram. E apesar de quase todos os artistas de rap e funk já terem citado a marca em suas músicas (com alguns fazendo menção inclusive no nome da música), nenhum representante desse universo estava presente. Um ator, um cantor, uma empresária e uma modelo (a única negra dos quatro) protagonizam o vídeo em que um dos fãs da marca protesta nos comentários: “'Pra celebrar as diferenças'” Tá Tirando kkkkkkk ”.
MC Hariel, no twitter, disparou: “E o intuito deles de deixar favelado e pobre bem longe da imagem da marca sempre foi claro... nós compra pq nós quer que eles se foda kkkkk pq já a anos existe essa relação de amor por nossa parte da ódio da parte deles” (sic).
Segundo Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, em matéria do UOL na época dos rolezinhos, não é bem ódio, mas “as grifes têm vergonha de seus clientes mais pobres”. Deve ser porque os clientes mais ricos talvez deixem de comprar ao saber que virou “coisa de funkeiro”.
Depois do mal-estar ocorrido a Lacoste tentou contatar a produção do Kyan, rapper do hit “Tropa da Lacoste”, que recusou o convite por conta da oferta de vouchers como pagamento pelo trabalho. O rapper se sentiu desvalorizado e disparou no twitter “Não sou vira-lata, não vou aceitar que apenas me usem. Sou um artista que fecha contrato de acordo com minha proporção, não quero mimos. Quero ser pago como um branco é pago, abaixo disso, não me interessa. Boa noite.”
Infelizmente, ele já estava fazendo publicidade para a marca toda vez que citava ou usava uma peça num videoclipe. E sem receber sequer o voucher. Mais tarde em outro post no twitter, Kyan disse que não citará mais o nome da marca francesa em suas músicas e eu fico feliz com isso. E ficaria ainda mais feliz se ele (assim como outros artistas) somente usasse e exaltasse, sem receber, marcas criadas, geridas e fabricadas por gente como ele, como nós, pra gerar emprego, renda e valor agregado nos nossos territórios de origem.
*DJ Cuco é rapper, produtor musical, agitador cultural, gestor de projetos culturais e formado em Gestão Pública. Atua há mais de 20 anos na cena da cultura urbana e periférica da Baixada Santista. É proprietário do Estúdio Bom Bando.
Crédito da foto principal: Music photo created by master1305 - www.freepik.com