Lei Maria da Penha versus Lei de Alienação Parental
* Larissa Seixas
A Lei Maria da Penha (LMP) que acaba de completar 15 anos é considerada pela ONU a terceira melhor lei do mundo no enfrentamento à violência contra a mulher.
Trata-se de avançada legislação com aspectos, sobretudo, preventivos e assistenciais, mas também penais. Trouxe avanços muito significativos, entre os quais, destacam-se: a Criação das Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a assistência judiciária gratuita, as medidas protetivas de urgência e a impossibilidade de entrega de notificação ou intimação pela vítima.
Esta legislação foi elaborada por consórcio de cinco entidades feministas e é imprescindível dizer que joga luz sobre a tradicionalmente invisibilizada violência doméstica, desmistificando a sacralidade da família e a inviolabilidade do domicílio e consolidando o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra mulher enquanto questão de saúde pública.
Claro que a luta não está finda, pois se trata de complexo e multifacetado problema arraigado em nossa sociedade patriarcal.
A acusação de “alienação parental”, por outro lado, tem sido usada pelos homens, precisamente em processos nos quais são acusados de violência doméstica contra companheiras/esposas, como matéria de defesa.
A Síndrome de Alienação Parental (SAP) foi uma criação do psiquiatra norte-americano Richard Gardner, definida por ele como uma enfermidade mental da criança, desenvolvida, preponderantemente, durante o processo de litígio conjugal dos pais e caracterizada pela rejeição a um dos genitores, como consequência da manipulação exercida pelo outro.
A SAP, contudo, nunca foi reconhecida pela comunidade científica, sobretudo em razão da ausência de pesquisas e periódicos científicos sobre o tema. Sequer é catalogada no Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria e não consta no Código Internacional de Doenças-CID 10.O CONANDA ainda emitiu nota contrária a LAP.
Ademais, ao contrário da LMP, a aprovação da Lei de Alienação Parental (LAP) se deu de maneira apressada, com esvaziada participação popular e sem contribuição de órgãos e entidades, como e.g. Conselho de Psiquiatra, CONANDA, Coletivo de mãe ou órgãos de defesa de mulheres e crianças.
Ao se analisar o progresso dos direitos da mulher, a LAP pode ser reconhecida como efeito “backlash” conservador e patriarcalmente promovido, que se consubstanciou principalmente no movimento de pais separados.
A falta de neutralidade gera efeitos discriminatórios diretos e indiretos contra as mulheres, reproduzindo estereótipos de gênero em prejuízo destas. Qualquer uma é vista como potencial alienadora perante o juízo – juízo este que deveria proteger a mulher e as crianças, pois em maior vulnerabilidade social.
Além disso, ignora-se a condição da criança enquanto sujeito de direito e principal interessada. Propõe-se seu apagamento, no plano simbólico, na medida em que prioriza o conflito existente entre adultos e uma visão subjetiva deste conflito, associando-o a um sentimento de capricho ou vingança e descurando-se do fato de que o que pode estar em jogo é uma tentativa de uma mãe preservar o filho.
Ao caracterizar como ato de “alienação parental”, a apresentação de falsas denúncias acaba também por incrementar a subnotificação de abusos sexuais sofridos por crianças/adolescentes e proteger agressores.
Para mais informações recomendo a nota técnica sobre alienação parental do NUDEM (Defensoria Pública de SP), disponível em:
<https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/Repositorio/41/Documentos/nota%20tecnica%20aliena%C3%A7%C3%A3o%20parental.pdf>
Sobre a Lei Maria da Penha, indico essa cartilha:
<https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/repositorio/34/Cartilha%20Maria%20da%20Penha_20199.pdf>
* Larissa Seixas é promotora legal popular e advogada com foco no atendimento às mulheres.
Instagram:
@larissaseixasadvogada