Os alicerces do Movimento Sindical
Por Antonio Neto
Já são mais de 100 dias desde a vitória do presidente Lula no segundo turno do pleito de 2022. Neste período, pouco ou quase nada se falou sobre a pauta trabalhista do Governo, que foi vitorioso com o apoio unitário do movimento sindical e dos trabalhadores brasileiros.
Nos últimos anos, vivenciamos ataques profundos à pauta ambiental, aos direitos humanos e a legislação trabalhista. É urgente que o governo dê o mesmo tratamento que foi corretamente dado à questão climática e civilizatória para à proteção e o direito à vida dos trabalhadores.
É preciso enfrentar os obstáculos criados contra a negociação coletiva e à organização dos sindicatos. É urgente o reestabelecimento das bases mínimas de civilidade e proteção das vidas das trabalhadoras e trabalhadores que estão vulneráveis ao processo de escravidão e degradação humana. Se recuperarmos um pouco a memória, veremos que desde 1988, com mais ênfase a partir do Governo Collor, o movimento sindical brasileiro vem sofrendo inúmeras investidas pelas políticas neoliberais, visando o seu enfraquecimento, sua fragmentação e a prevalência da individuo sobre o coletivo.
Os ataques ao sistema sindical brasileiro, à unicidade e à sustentação financeira das entidades foram constantes, movidos por grandes grupos econômicos, além de contarem com o respaldo de parte do movimento sindical. As teses de pulverização da estrutura sindical, do acordado sobre o legislado, do fim da contribuição sindical, dos acordos nacionais suplantarem às negociações dos sindicatos e a criminalização dos dirigentes sindicais pavimentaram o caminho para a imposição da Reforma Trabalhista em 2017, que na prática, aplicou esse receituário. Estes equívocos, somados aos ataques à Justiça do Trabalho, às mudanças legislativas que impuseram o comum acordo para Dissidio Coletivo, à perseguição do Ministério Público do Trabalho aos sindicatos, o interdito proibitório, à constante e perversa falta de combate às práticas antissindicais e o avanço dos conceitos liberais na sociedade foram decisivos para o enfraquecimento da estrutura sindical e, consequentemente, das forças progressistas que se relacionam, inclusive os partidos políticos.
Nos últimos dias surgiram discussões de uma ainda embrionária Reforma Sindical. Essa não é a pauta urgente dos trabalhadores, mas sim a de revogação dos instrumentos que retiraram direitos e jogaram milhões na escravidão moderna. A situação se assemelha com o Governo encontrado pelo atual presidente. Um Brasil desmontado, desorganizado e asfixiado financeiramente pela PEC do Teto. A solução foi uma PEC da Transição para garantir fôlego e tempo para a reorganização do Estado antes de uma nova ancoragem fiscal e de uma necessária Reforma Tributária.
Antes de reformar a "casa" é preciso recuperar as colunas e a estrutura do Movimento Sindical. Ou seja, é preciso reorganizar a negociação coletiva e interromper a asfixia financeira das entidades. Para quem defende mudanças na organização sindical, é importante lembrar que foi justamente essa estrutura que nos garantiu resistir em meio as ações destrutivas promovidas contra o sindicalismo brasileiro nos últimos anos e até mesmo avanços como a conquista dos 600 reais de auxílio emergencial. Com medidas assertivas podemos colocar o Movimento Sindical rapidamente em outro patamar: o fim do comum acordo para suscitação de dissídio coletivo, o reestabelecimento da ultratividade de Convenções e Acordos Coletivos, a retomada da prevalência de instrumentos coletivos sob instrumentos individuais e o fim da asfixia da estrutura sindical.
Qualquer Reforma Sindical para ser bem-sucedida terá que ter duas premissas atendidas: o fortalecimento dos sindicatos e a sua capacidade de avançar nas conquistas, levando essa estrutura para os servidores públicos, trabalhadores rurais e autônomos. Continua após a publicidade A maturidade acumulada nos tempos de resistência e unidade será uma importante bússola para a construção de uma Reforma que contemple as mais diversas correntes do sindicalismo brasileiro. É preciso dosar a ânsia por Reformas e o conformismo do comodismo. Até pouco tempo, defender teses como a unicidade sindical e o imposto sindical era antipopular até mesmo no movimento sindical.
A história provou que os ataques ao tributo foi um erro que acabou só contribuindo para a criminalização da luta dos trabalhadores. A unicidade sindical que até então era alvo preferencial do ideário libertário, se provou como a grande trincheira de resistência contra a pulverização de entidades pelo liberalismo econômico que buscava o enfraquecimento da organização sindical e das negociações coletivas. Mas foi também a incapacidade de fazer uma Reforma sob a ótica do trabalho na legislação trabalhista respondendo as novas necessidades do mundo do trabalho que colocou em xeque a nossa CLT. Não podemos esquecer como chegamos até aqui. E definitivamente não será com alianças e parcerias com aqueles que tentaram nos liquidar que encontraremos o caminho para resgatar o protagonismo e a força do movimento sindical. Antes de mexer naquilo que garantiu as nossas principais conquistas e a nossa resistência nos últimos 80 anos é preciso derrotar aquilo que buscou a nossa destruição nos seis últimos anos.
*Presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Presidente do Sindicato dos Profissionais em Tecnologia da Informação do Estado de São Paulo (Sindpd) e Delegado dos Trabalhadores na última Conferência Internacional do Trabalho da OIT/ONU.