Por trás do incêndio da Cinemateca
*Danilo Nunes
Não é de hoje que a nossa Cultura é atacada por homens brancos que tomam o poder do Estado, seja manipulando e enganando a população com seus discursos de “homens de bem” ou por meio de ditaduras opressoras que se utilizam das forças armadas para oprimir e censurar toda e/ou qualquer forma de expressão e pensamento com impacto popular que vêm a questionar suas ações de poder.
Homens que se colocam como protagonistas da História e que mesmo depois de desmascarados pelo povo, ainda tentam manter suas hegemonias deixando rastros como diplomas, escrituras, marcas e até mesmo estátuas para impor uma superioridade inexistente. Homens que na história da humanidade se utilizaram do fogo para tentar apagar e calar páginas da história viva das civilizações.
E assim como em diversos momentos, as mesmas armas que matam inocentes se viram contra os culpados, como o fogo que incendiou parte do acervo da Cinemateca brasileira, também queimou a estátua de Borba Gato. O mesmo fogo utilizado para conquistar, explorar e dominar povos no mundo, também os libertaram, garantindo suas independências e soberanias. O mesmo fogo que esteve presente no discurso eleitoreiro de Bolsonaro por meio da idolatria às armas, também queima a continuidade de suas ideias insanas e genocidas. Bolsonaro já caiu, mas não saiu porque ainda falta o arremate final: O povo na rua, o despertar do sol que faz o dia nascer feliz, o amanhã que será outro dia e o que faz o sonho impossível tornar-se realidade porque caiu o rei de espada, o rei de ouros, o rei de paus, mas o rei de coração renasce todos os dias na sua imortalidade.
Os ciclos se abrem e se fecham dentro dos processos históricos, assim como as tragédias se tornam farsas, Temer vira Bolsonaro e um golpe se torna um tiro no pé do próprio golpista, fazendo com que nosso povo e nossa Cultura prevaleçam.
Em um curto espaço de tempo, presenciamos diversos atentados contra o povo e a Cultura como as tentativas de Temer para dissolver o Ministério da Cultura que na sequência foi extinto por Bolsonaro, a demonização do artista (agente cultural), da Lei Roaunet e das expressões culturais mais autênticas da nossa população. A desapropriação de terras, os golpes contra a demarcação das terras indígenas, atentados contra seus líderes, o assassinato da vereadora negra Marielle Franco, balas de fogo acidentais na periferia, levando jovens e crianças a morte, agressões, retirada de direitos dos (as) trabalhadores (as) conquistados com muito sangue, luta e suor, tentativa de militarização através da educação de base e ameaça de golpe militar, homenagens aos torturadores sanguinários da ditadura, entre tantas outras questões que poderíamos levantar aqui, mas acredito que o que foi citado já se faz suficiente para que possamos entender de que lado estamos.
Por trás do incêndio da Cinemateca existe muita coisa, pois entre o céu e a terra se faz presente um mundo de desigualdade social, opressão e disputa de poder. O que queimou na Cinemateca não foram rolos de filmes e acervo apenas, mas a história, a consciência e memória de um povo. O cinema está de luto, assim como todos (as) nós brasileiros (as). São constantes as tentativas de apagar nossa Cultura e de matar nossa ancestralidade, mas nós não nos curvaremos. Acidente? Sim, ninguém (fisicamente) ateou fogo na Cinemateca, o que causou o incêndio foi o descaso, a falta de respeito e cuidado com nossa Cultura. O que causou o incêndio na Cinemateca foi o desejo fascista em incendiá-la, assim como fizeram com Marielle Franco. Quem puxou o gatilho, não foi quem a matou. E quem foi?
Por trás do incêndio da Cinemateca, levanta-se um povo de artistas, estudantes, trabalhadores (as), homens e mulheres, negros (as), índios (as), a população LGBTQI+ incendiados pela ideia de liberdade e igualdade. Todas, todos e todes nós que andamos sempre na contramão do sistema e que arrancaremos Bolsonaro do poder custe o que custar!
*Danilo Nunes é músico, ator, historiador e pesquisador de Cultura Popular Brasileira e Latinoamericana.
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