Porque somos todos importantes!
Por Prof. Marco F
Eu me lembro que em 16 de março de 2020, meu amigo Diego Monsalvo, professor e escritor, com quem apresentava um programa de rádio, MEZCLA, sugeriu que não gravássemos a edição daquela semana por conta dos riscos que o vírus que surgiu na China, à época um inimigo ainda desconhecido, ofereceria a todos nós.
Fiquei inconformado com a sua sugestão. Achei que aquilo não tinha sentido algum, que exagerava nos cuidados. Mas não estivemos nos estúdios da Rádio Primeira naquela 2ª feira. Mal sabia que jamais voltaríamos a empunhar os seus microfones. Fizemos ainda alguns programas virtuais, gravando cada um de sua casa, mas não voltamos a fazê-los ao vivo.
Dois ou três dias depois, as notícias davam conta da extensão da pandemia, que parou o Brasil e o mundo, iniciando os quatro meses mais estranhos de nossas vidas.
Ruas vazias, aqueles que podiam trancados em casa, com medo de um inimigo invisível e muito perigoso.
Hábitos esquisitos sendo incorporados às nossas vidas: usar álcool em gel e máscaras de proteção, tirar sapatos ao entrar em casa, desinfetar as compras entregues por delivery, lavar as roupas e limpar objetos pessoais com maior frequência. Também aprendemos a usar oxímetros e termômetros de aproximação, inicialmente na testa e depois, após um falso boato dos riscos que ofereceria, no pulso.
E que coisa estranha ficar isolado em sua própria casa, longe dos familiares, em caso de suspeita de contaminação pelo vírus. Quantos deixaram de visitar seus pais e avós.
Meu querido tio Sérgio, que enfrentava uma longa batalha contra a leucemia, faleceu em 23 março. Foi um dos primeiros que perderam a batalha contra a temida doença. Muito fraco, não resistiu às complicações provocadas pela COVID-19. Para a maioria, entretanto, os casos eram ainda distantes. Não tínhamos dimensão do que ainda viria.
E nós professores? De um dia para o outro precisamos aprender a trabalhar em casa, gravar aulas, compartilhar telas, corrigir exercícios e provas através da internet, mexer em programas que nunca havíamos utilizado. Como outros profissionais, incorporamos algumas ferramentas digitais às nossas vidas e fizemos de nossas casas locais de trabalho. Os estudantes transformaram seus quartos em salas de aula.
Os meses foram passando e alternamos momentos de maior e menor esperança ou medo. Vimos muita gente próxima perder a vida, sempre com a sensação de que eram mortes evitáveis.
É muito difícil imaginar o impacto do ensino à distância na vida dos alunos. Mas, para algumas faixas etárias, principalmente os menores, crianças de até 7 ou 8 anos, o prejuízo foi enorme. Só não foi maior por causa da dedicação e talento dos seus professores, das "tias" e "tios".
Para todos, entretanto, incluo também os universitários, foi um ano estranho. Frequentar a escola é fundamental para o desenvolvimento intelectual e pessoal dos alunos. Da noite para o dia, não havia mais o necessário contato entre as pessoas. A diversidade no grupo de alunos, com origens e formações diferentes, nos ensina como devemos agir, a respeitar as diferenças, admirar as virtudes e aprender com os erros e defeitos dos colegas.
Pensávamos que a pandemia nos tornaria seres mais humanos. Parecia haver um clima favorável a mudanças em nossas atitudes, seríamos mais solidários, menos egoístas.
Gosto sempre de contar o que presenciei muitos anos atrás nas estradas que trazem ao litoral paulista. Vinha pela Rodovia dos Imigrantes. Como a pista de descida para o litoral ainda não havia sido inaugurada, entrei no trecho de interligação com a Via Anchieta. Mas dois quilômetros adiante o trânsito parou completamente. Acidente envolvendo muitos carros, caminhões e ônibus, uns amassados, outros tombados, alguns parados no canteiro central, mas, felizmente, sem vítimas fatais. Todos estavam fora de seus veículos, apesar da chuva fina, e conversavam tranquilamente, como se nada houvesse ocorrido.
Na mesma semana, no mesmo trajeto, um pouco adiante, já na serra da Anchieta, na Curva da Onça, sentido do litoral, uma picape pequena, cheia de compras de supermercado, capotou, espalhando as mercadorias na pista. Algumas pessoas as roubavam. O motorista, sentado na mureta, estava desolado. Entendi, comparando os dois acidentes, que sofremos mais quando estamos sozinhos nas adversidades. Por isso, grupos que reúnem pessoas que enfrentam situações difíceis, uma doença grave, problemas pessoais e familiares, nos fortalecem.
Naquele grande acidente, o primeiro que presenciei, as pessoas não estavam sozinhas no infortúnio.
A pandemia democratizou a dor, o sofrimento, as incertezas o medo. Desta vez, ser mais rico, influente, inteligente ou bem relacionado não oferecia vantagem alguma. E todos dependiam dos demais.
Muitos aproveitaram as privações, o distanciamento social, a crise sanitária e econômica para intensificar suas ações em prol dos mais carentes. Esses evoluíram com a pandemia. Enxergaram mais claramente as gigantescas desigualdades em nosso país.
Outras pessoas, por outro lado, revelaram-se nocivas à sociedade, preocupadas apenas com os problemas que as atingiam. Uma senhora, de classe média alta, em Belém, no auge da reclusão, reclamava da situação, pois "como farei para manter minha casa limpa se as empregadas não trabalharem normalmente? Elas terão que vir, de algum modo". Preocupação zero com as pessoas, interessada apenas em manter seu conforto.
Reflitamos com calma na situação do ensino.
Um grupo de mães de escolas da elite paulistana criou um perfil no Instagram, com publicações e manifestações a favor do retorno às aulas presenciais, isso seis meses atrás, quando as coisas estavam muito piores que agora.
Como professor, sempre sonhei com a volta dos alunos para as salas de aula. Vivo nesse ambiente desde 1987, meu habitat, onde me sinto mais realizado. Adoro dar aulas, mas o que me empolga mesmo são os alunos, jovens sonhadores, que precisam de atenção e orientações. Aulas online são impessoais, é complicado interagir com uma máquina. Como motivar os alunos, sem olhá-los nos olhos? É muito difícil cativar sua atenção.
Decidi seguir esse grupo de mães, acompanhar suas publicações e manifestar minhas opiniões. Sempre defendi o retorno das aulas presenciais a partir do instante em que os professores e outros profissionais da educação estivessem vacinados. Mesmo quando já estava imunizado, continuei com o mesmo discurso, pois os mais jovens ainda não tinham a mesma proteção.
Para meu espanto, e tristeza, fui chamado de "vagabundo", pois queria "ficar na moleza da minha casa". Mal sabiam, as pessoas que nos criticavam, o quanto nos custa trabalhar em casa.
Vivemos um momento de polarização, em tudo. Aquelas mães e pais mal-educados, alguns pouco inteligentes e histéricos, não conseguiram entender que é possível resolver as crises considerando as necessidades e anseios das partes envolvidas. Não é necessário ser irredutivelmente "a favor" ou "contra" as coisas. É possível estabelecermos acordos, ouvirmos opiniões contrárias. Em suas postagens, em nenhum momento se discutia os dois lados da questão.
Uma dessas pessoas desequilibradas lamentava: "Meu filho mora em um condomínio com lago, quadras esportivas e piscinas, mas está entediado. Coitado dos mais pobrinhos".
Para aquela senhora, a escola de seu filho seria uma creche, e seus professores animadores de festa ou babás.
Se havia os que defendiam a volta imediata das aulas presenciais, sem considerar as implicações dessa atitude, também errados estavam os que não enxergavam as legítimas necessidades dos estudantes.
De um modo ou de outro, as aulas voltaram e os problemas não são tão grandes como esperávamos ou temíamos.
Chegou o momento de pensarmos no futuro. O que podemos fazer para recuperar o tempo perdido?
Quando fui candidato à vereador em Santos usei um slogan que poderia ser o “norte” que necessitamos: "Respeito, porque somos todos importantes!". Respeitar os alunos, nas suas necessidades, incentivando-os com aulas atrativas e atividades instigantes. Ouví-los, abrir-lhes portas. Respeitar os professores, a eles oferecendo salários dignos e espaço para criarem. Respeitar as famílias, ajudar aqueles que não tem apoio em casa. Promover atividades culturais para as comunidades do entorno de escolas públicas.
Todos gostamos de ser tratados de maneira diferenciada. Precisamos mudar o Brasil. Tudo começa com escolas melhores.
* Prof. Marco F é bacharel em Química (IQUSP-SP), professor desde 1987, coach certificado (IBC), radialista e jornalista.
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