Rosa
*Marcio Aurelio Soares
Alberto Carlos era seu amigo de longa data. Um pouco mais jovem, ainda tinha uma boa mobilidade, suficiente para ir a uma visita à casa de seu homônimo às avessas. Ambos de papo muito agradável, se divertiam relembrando história antigas. Até porque as recentes, estas eram quase que ignoradas, suas memórias não permitiam tal esforço.
Até que o anfitrião, garboso por sua autointitulada jovialidade, resolveu contar seu segredo ao amigo. Diz ele: “Você não sabe, fui em um geriatra que me passou um remedinho sensacional. Se já lembrava coisas de antigamente, agora estou lembrando até do que comi semana passada”. “É mesmo?”, disse seu amigo convidado, com uma pitada de inveja. “E qual é o nome desse remédio milagroso?”, pensando que pudesse economizar o custo da consulta; principalmente agora depois dos 80 anos, que tendo pagado seu plano de saúde a vida toda, após um reajuste monstruoso autorizado pelo governo, não conseguia mais fazer frente a essa necessidade tão básica pelo qual investiu toda a sua vida.
Seu amigo não esperava aquela pergunta, afinal a receita médica foi um bem conquistado a duras penas com suas reservas financeiras, já que também tinha perdido seu plano de saúde, conquistado há época de quando era empregado numa grande estatal brasileira. Mas, imbuído de um espírito humanitário, de fraternidade e solidariedade para com o seu grande amigo, velhinho e desprovido de cuidados, quer sejam garantidos por sua família, quer sejam pelo Estado para quem se dedicou por longas décadas, acabou por se curvar à necessidade de seu companheiro de agruras e expectativas.
Como estava fazendo suas conjecturas com seus botões, por alguns instantes já não se lembrava mais da pergunta do amigo. “O que você disse mesmo? Você me perguntou sobre o meu remédio para memória?”
“Bom...”, olhou para cima como que buscasse uma resposta, e perguntou: “Como é mesmo o nome daquela flor, de pétalas vermelhas, e que tem espinhos no caule?”.
“Rosa”, respondeu rapidamente Alberto Carlos ou seria Carlos Alberto? Certo de estar à flor da juventude. Confesso que depois dos 60, também estou curioso para saber o nome do bendito remédio. “Isso: Rosa!”, acertou. Virando-se para a copa, gritou: “Ô, Rosa, pega aquele vidro de remédio que está na cabeceira da minha cama, por favor. Ele é excelente para a memória”.
Essa piada é antiiiga. Devo tê-la ouvido de meu pai umas mil vezes. Outra que ele gostava muito de contar era aquela do carrapatinho... rsrsrs. Numa próxima, conto para vocês. Essa também é muito boa.
As piadas nada mais são que o retrato de situações de nosso dia a dia. Se tornam engraçadas ao nos identificarmos com elas. É muito interessante nos utilizarmos delas para discutirmos assuntos pertinentes à nossa rotina, através dos quais podemos refletir hábitos e costumes que podem melhorar nossa qualidade de vida e desmitificar outros.
Depois dos 60 anos, é muito comum que surjam pequenos lapsos de perda de memória. Segundo alguns estudos, até 70% dos indivíduos reclamam de dificuldades para se recordarem de determinadas lembranças, mas que não chegam a atrapalhar a rotina dos idosos.
A perda de memória pode ser sintoma de um comprometimento cognitivo leve (CCL), situação que não impede o idoso ter uma vida independente e autônoma. Ao contrário da doença de Alzheimer, que provoca perda de memória e confusão mental progressivas. Estima-se que o Alzheimer acomete 1% das pessoas com mais de 65 anos, 10% aos 70 anos e um em cada dois idosos aos 85 anos.
É muito comum amigos e familiares “brincarem” com seus idosos: “Ah, a velha tá com Alzheimer”. No mínimo desagradável. Mesmo que seja uma brincadeira, o idoso se sentirá diminuído, desrespeitado e verá todo o seu potencial de convívio social e produtivo desprezado.
Os idosos guardam sabedoria e experiência. As Olimpíadas de Tóquio estão dando uma aula de como tratá-los e respeitá-los.
Cuidados pessoais, carinho, afeto e consultas periódicas ao geriatra vão dar à família o privilégio de conviver por mais anos, com essas pessoas lindas que temos que reverenciar e muito a nos ensinar.
*Marcio Aurelio Soares é médico.