Sanfoneiras, forrozeiras e a carreira da empoderada Lucy Alves
* Danilo Nunes
Rompendo os padrões do sistema que coloca (historicamente) o homem como único protagonista social e cultural, deixando a mulher como a escada coadjuvante que é obrigada a emprestar seus degraus para o machismo estrutural subir cada vez mais ao topo da pirâmide é que surgem mulheres que, com o passar dos anos vão se empoderando cada vez mais, assumindo as rédeas de seus próprios caminhos e de suas vontades e desejos.
É o que vem acontecendo nas profissões, em casa, no mundo acadêmico e na arte não poderia ser diferente.
Entramos no mês de junho, onde são realizadas pelo Brasil uma das festas populares mais tradicionais que, rompendo todos os tempos continua em evidência no país. Os festejos juninos. É nessa época que ecoa em todo o território brasileiro o fole da sanfona, o chapéu de cangaceiro, e os bailes animados de forró conduzidos pelo xote, xaxado e baião.
Por muitos anos dentro da nossa história, os grupos forrozeiros que encantam as festas juninas tiveram o homem como centro das atenções. Os forrozeiros, como muitas vezes foram chamados, lideravam o rufar da zabumba, a condução do triângulo e principalmente o resfolego da sanfona. Ah, a sanfona. Um instrumento grande, pesado que exige um primor na coordenação motora e swing, sempre foi vista como instrumento carregado e tocado por homens, embora muitas mulheres sempre a utilizaram, tocando-a em suas casas e saraus sem grandes repercussões e sem serem vistas pelo grande público e ignoradas pela mídia, assim como as cantoras e cantautoras forrozeiras que eram escondidas por suas famílias e seus maridos e acabavam por deixar de lado seus sonhos e paixões em função da vontade do sistema que as colocam como engrenagem passiva ao homem. Mas as coisas vêm acontecendo de forma diferente de uns tempos pra cá.
Por quê quando chegamos num show e/ou numa festa e vemos no palco, brilhando e conduzindo o baile uma mulher e uma sanfona nos causa tamanha estranheza a ponto de chamar tanto a atenção? É porque nunca foi de costume nos encontrarmos com uma cena dessas, o que vem se tornando mais comum e presente no universo popular. Muitas dessas mulheres forrozeiras, nordestinas ou não, trazem como referência outras mulheres fortes e empoderadas como as artistas Marinês, Amelinha, Anastácia, Cátia de França, mas em sua grande maioria as influências são de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, João do Vale, Jackson do Pandeiro e grupos de raízes tradicionais de suas respectivas regiões. Para cada mulher artista que se tornou referência para outras mulheres, tem sempre dez homens artistas que também foram suas influências. É desproporcional.
O que vem acontecendo, cada vez com mais intensidade são mulheres forrozeiras que vem se firmando cada vez mais nesse meio e influenciando as novas gerações, ou seja, tudo tende a mudar com o empoderamento feminino no forró e as mensagens e exemplos que despertam a consciência de classe e gêneros nas outras que estão por vir. Esse é o caso da talentosíssima cantora, compositora, musicista e sanfoneira de mãos cheias Lucy Alves que, além de tudo isso, também tem sua carreira de atriz muito bem-sucedida. Essa grande artista se tornou um orgulho de todas, todos e todes nós brasileiros, além de sua forma genuína de trazer à tona, todo o universo sertânico e a alegria dos bailes tradicionais, juntando a tudo isso a sua contemporaneidade, força e simplicidade de ser quem é.
A paraibana Lucy vem trazendo a todo o Brasil as mais autênticas formas de expressão popular por meio de seu canto carregado de ancestralidade de um povo que viveu secas severas e trabalhos que a partir das suas formas artesanais de cultivo, traziam-lhes suas subsistências, além de seu swing e habilidade de uma exímia sanfoneira, capaz de despertar toda uma nação com seu toque primoroso. A artista que traz a completude de sua profissão, conquistando cada um (a) de nós, nos brinda a cada aparição com sua capacidade de transparecer a força e a doçura em diálogo com toda uma cultura que resiste a um sistema que, a todo tempo tenta esmagá-la. Lucy é símbolo de resistência cultural e empoderamento feminino, uma realidade que o povo brasileiro tem a seu lado e em sua defesa.
A música do norte e nordeste sempre contribuiu e muito para o retrato do Brasil e suas riquezas rítmicas, harmônicas e melódicas, a ponto dos artistas de outras regiões do país, mesmo não sendo nascidos no meio cultural propício a se tornarem mestres populares, escolheram a música nordestina como expressão simbólica de suas mensagens.
Um exemplo claro disso é o grupo paulistano Falamansa, formado em 1998 que, influenciou e continua a influenciar tantas gerações com sua fidelidade para com o que escolheram para ser sua forma de expressão: O forró pé de serra.
A paraibana Lucy Alves e a banda paulistana Falamansa são exemplos de que, todo o processo de luta e resistência cultural fica cada vez mais forte, transparecendo e reverberando pelo Brasil e por toda a América Latina que tem em suas tradições, as culturas tradicionais derivadas dos grandes mutirões decorrentes da agricultura de subsistência e pesca artesanal.
A preciosa novidade baseada em tudo isso é que a cantora e sanfoneira Lucy Alves está empenhada em seu novo trabalho que une sua arte magistral com a obra da banda Falamansa que a vem levando aos lançamentos de singles durante o isolamento social decorrente da pandemia da covid e caminhando para em breve nos mostrar todo o resultado no lançamento de um disco onde Lucy canta Falamansa. Isso já até resultou numa parceria inédita entre Lucy e Tato (vocalista da banda).
Mulheres sanfoneiras existem, estão na ativa e são forrozeiras legítimas. Lucy Alves é uma representante contemporânea desse empoderamento e de que a mulher vai, vem, está e estará onde ela quiser, levando toda sua genialidade e competência. Lucy é uma artista completa em seu trabalho como cantora, musicista, compositora e também uma excelente atriz, capaz de transitar com sucesso no meio midiático e tradicional, de massa e popular. Sem rótulos, sem medos e versátil, desperta em todos nós um sentimento de que, cada vez mais, precisamos desconstruir o ser “macho” e nos tornarmos seres humanos iguais socialmente. Viva Lucy Alves, vida longa a artista que nos encanta a cada trabalho que realiza.
Para acompanhar os lançamentos da artista basta acessar as redes e plataformas da artista na internet: @lucyalves
Você também pode acompanhar a minha prosa musical com Lucy Alves no domingo dia 13 de junho às 20h00 pelo youtube Sacada Cultural BR TV.
Deixo aqui um aperitivo procês do que a artista vem realizando.
https://www.youtube.com/watch?v=kHmERLzV2J4
* Danilo Nunes é músico, ator, historiador e pesquisador de cultura popular brasileira e latino-americana.
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