Semana de trabalho de 35 horas deu certo na Islândia – e poderia funcionar aqui também
Uma entrevista com Guðmundur D. Haraldsson
por Luke
De Jacobin Brasil
Tradução
Felipe Kusnitzki
Entre 2015 e 2019, a Islândia embarcou em dois testes massivos para experimentar na prática a ideia de uma semana de trabalho mais curta. O resultado foi um sucesso surpreendente para seus trabalhadores – e um modelo que merece ser replicado em outros lugares.
Graças, em grande parte, à sua tradicional organização sindical, a Islândia deu início a dois grandes períodos de teste de semanas de trabalhos mais curtas. A premissa destes testes, que começaram entre 2015 e 2017, era mensurar o que aconteceria se trabalhadores e trabalhadoras tivessem uma redução de sua carga horária de trabalho sem prejuízo de seu salário e rendimentos. O resultado, como se viu, foi um incrível sucesso em todos os sentidos, e um modelo que, desde então, se tornou realidade para aproximadamente 90% dos trabalhadores islandeses.
Um relatório publicado em junho, conjuntamente pelo think tank britânico Autonomy e a organização islandesa Alda, chamado “Going Public: Iceland’s Journey to a Shorter Working Week” (em tradução livre “Vindo à Público: A Jornada da Irlanda para uma Semana de Trabalho Mais Curta”), trouxe estudos sobre as suas mecânicas, descobertas e resultados. Nesta entrevista, conversamos com o coautor deste relatório, Guðmundur D. Haraldsson, onde ele conta à Jacobin sobre os períodos de teste, o que eles revelaram e o potencial do modelo que pode ser replicado em qualquer parte do mundo.
LS - Vamos começar falando um pouco sobre o pano de fundo destas mudanças. Como foram, exatamente, estes testes e como surgiu a idéia, em si, de se testar de fato uma semana de trabalho mais curta?
GDH - Os testes foram, na verdade, feito em duas partes: um em Reykjavík – o maior município da Islândia – e outro realizado pelo governo islandês. Muitos dos participantes passaram de uma semana de trabalho de 40 horas para 35 ou 36 horas semanais. O primeiro teste foi iniciado em 2015 e o outro em 2017. Reykjavík iniciou o seu antes do teste realizado pelo governo. E, embora a cidade tenha conduzido seu teste em conjunto com a BSRB, uma confederação de sindicatos, foi acordado também na Câmara Municipal de Reykjavík o início dos testes – com todos os votos a favor.
Houve discussão na Islândia sobre a redução da jornada de trabalho – da qual a Alda participou – nos anos que antecederam os testes. A BSRB, outras confederações e sindicatos também participaram e incentivaram o mesmo. Parecia que os membros do parlamento estavam satisfeitos com a ideia de fazer um teste para ver se isso tinha um efeito positivo sobre as equipes, locais de trabalho e serviços.
LS - A escala destes testes foi bem significante, não? Que tipos de locais de trabalho foram incluídos inicialmente?
GDH - Foi um primeiro teste em escala realmente grande. Os testes acabaram envolvendo mais de 2.500 trabalhadores – mais de 1% de toda a população ativa da Islândia. O teste de Reykjavík começou pequeno, mas depois evoluiu para uma escala muito maior. Em última análise, os testes abrangeram não apenas escritórios, mas também creches, instalações de manutenção da cidade, lares para pessoas com várias deficiências e necessidades especiais e muito mais. O gabinete do prefeito da cidade de Reykjavík também foi incluído.
LS - O relatório do qual você foi coautor detalha os resultados destes testes, que foram realmente extraordinários. Quais foram as conclusões em termos de produtividade e qualidade de serviço? E o que os próprios trabalhadores e trabalhadoras acharam da experiência?
GDH - Os serviços não foram afetados por causa dos testes: permaneceram os mesmos. No entanto, novas estratégias tiveram que ser desenvolvidas para alcançarmos isso, e isso foi feito com sucesso. Diversas análises mostram que a qualidade dos serviços não foi afetada.
O impacto sobre os próprios trabalhadores foi positivo: o bem-estar aumentou em uma série de indicadores, desde o estresse percebido e o esgotamento da saúde até um melhor equilíbrio entre trabalho e a vida pessoal. Os trabalhadores também indicaram mais felicidade, tanto no trabalho quanto em casa, menos estresse e tensão no lar e tiveram mais tempo com a família. Para muitos, ter mais tempo todos os dias significava muito.
LS - O contexto político e econômico na Islândia é, talvez, uma das razões pelas quais o país conseguiu realizar esses testes e, desde então, tornou-se capaz de tornar a semana de trabalho mais curta uma realidade para a maioria dos trabalhadores: em 2019, a densidade sindical era de 90% e a população é pequena e bastante concentrada. Apesar desses fatores, você diria que há um bom motivo para acreditar que o exemplo da Islândia de uma semana de trabalho mais curta pode ser reproduzido em qualquer outro lugar?
GDH - Acredito que os testes neste sentido podem ser iniciados em qualquer lugar onde haja interesse significativo em fazê-lo, seja do governo local, governo nacional, empresas, corporações ou organizações sem fins lucrativos. Deve-se notar que também houve outros testes menores aqui na Islândia, executados por empresas privadas, que começaram puramente por seu interesse em testar horas mais curtas (esses testes também foram um sucesso). O que é necessário é o interesse e o compromisso em preparar um teste, conduzi-lo e envolver as partes interessadas – trabalhadores, gerentes, etc. – para desenvolver as boas práticas no local de trabalho.
O que é necessário também é um entendimento compartilhado de que um teste bem-sucedido de menos horas pode levar a benefícios para todos – trabalhadores, gerentes, o próprio local de trabalho e assim por diante.
Luke é colunista da Jacobin.
Guðmundur D. Haraldsson é coautor do relatório "Going Public: Iceland’s Journey to a Shorter Working Week", publicado no início deste verão pela Alda and Autonomy.
Fonte: Jacobin Brasil
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