Velhinho em folha
por Flávio Viegas Amoreira
Testemunhei atento mutações do conceito de idades e seus esteriótipos: lembrai da cadeira de balanço, do luto fechado, da apatia no canto da sala dos velhinhos de antanho.
A chave das transformações é a participação, a vontade e possibilidade de opinar, o tempo esticado pelo protagonismo de quem poderia desistir do tempo de agora que é seu tempo.
Até os anos 80, os nonagenários ou centenários eram categorias observadas com interesse de circo de curiosidades, fenômenos quase paleontológicos de duração: só trocavam sorrisinhos dos que observavam sua permanência com incredulidade.
Os velhinhos de antigamente eram uns “fofos” como se diz hoje e olhe lá! Só peculiaridade. Pois, hoje, as melhores interpretações desse mundo doido que vivemos, tenho extraído de pensadores idosos que não param de escrever e refletir com ousadia de argumentos que clareiam mais que muita babaquice pseudo-vanguardista.
Edgar Morin, aos 100 anos, é quem melhor “saca” o valor do conhecimento transformador; Noam Chomsky, aos 92 anos, segue sendo guru de todo pensamento radicalmente progressista e no campo conservador democrático Delfim Netto, aos 92 anos, também é duma coerência estupenda até quando não se concorda com ele.
Ouço e leio todos os espectros da minha esquerda eco-socialista até o campo conservador democrático: só abomino perder tempo argumentando com neofascistas, golpistas e negacionistas.
Cabeça aberta é antídoto anti-velhice. Meus gurus na juventude foram conservadores que evoluíram para um progressismo holístico: Dom Helder Câmara e Alceu Amoroso Lima.
Fascinam-me os que evoluem, desfazem-se de preconceitos com o tempo. Ainda nesses dias, o melhor esclarecimento sobre o Afeganistão que li foi um artigo lucidíssimo do controverso Henry Kissinger, no “´The Economist”, aos 98 anos de engajamento pelo cérebro poderoso.
Entre meus 13 e 15 anos, meu melhor interlocutor era um sábio com visão ecológica da vida, o último filho vivo do nosso poeta maior Vicente de Carvalho. Augusto de Carvalho, conhecido pelo singelo apelido “Tareco”.
Dos indígenas aos orientais, vocês sabem que sabedoria exige muito acúmulo de percepções: os idosos não estão aí para desperdiçarmos a antiguidade de seus espíritos atilados. Interesse pelas coisas é tudo: estar no jogo através da leitura, da opinião, desse santo interesse é o que dá sentido de presença não importa a idade.
Aos 56 anos, nesta idade sanduíche, me sinto privilegiado por ter mesmo interesse nas novas tribos que surgem, a “rapaziada” antenada, quanto nos super conectados octogenários. Não é Carlos Conde? Não é Luiz Corvo? Não é Cid Marcus?
Numa entrevista ao querido amigo Antonio Abujamra no célebre “Provocações”, de 2009, e disponível no Youtube para quem tiver interesse esbravejei: “a juventude é reacionária”. Uma frase de efeito com muito de verdade infelizmente.
Quando arejados, os jovens são fonte de ânimo, mas quando conservadores sai de baixo... Observei o avanço do bolsonarismo atento às redes sociais e papos de bar da “moçada”: foram jovens que levaram ao poder “essa coisa”... e notem a tenra idade das hordas talebans. Mas claro que vibro mesmo é com Malala e Greta Thunberg, que são farol do futuro ao lado dum “menino” de 86 anos, que tenho como estrela guia ideológica: Pepe Mujica, do belo Uruguai.
Curiosidade é tudo na vida: alguns alcançam cedo e outros fazem dela elixir de mocidade com a chama do interesse permanente.
* Flávio Viegas Amoreira é escritor, poeta, contista, romancista, dramaturgo e jornalista. Nascido em Santos, em 1965, atua como agitador cultural em São Paulo, Rio de Janeiro e Litoral Paulista, em projetos de discussão de temas ligados a artes de vanguarda, saraus poéticos e oficinas de criação literária. Já lançou 14 livros.
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