‘Sindicato’
* Prof. Marco F
Estava vindo para São Paulo, a noite já havia caído, pensando na vida. A idade nos torna mais reflexivos.
O telefone tocou e soube pelo meu pai que um dos meus irmãos, o mais novo, fora assaltado. Mexam com quem quiserem, não com meus irmãos. Aquela notícia me atingiu em cheio. Que fosse comigo, não com ele. Somos em quatro irmãos e formamos um "sindicato", que funciona assim: mesmo que tenhamos brigado, discutido e até estivermos sem conversar, se algo de ruim acontecer com um dos membros, se precisar de ajuda ou apoio, o "sindicato" entra em campo. Há grande empatia entre nós. Em outras famílias há contratos parecidos, mas gosto do nome que demos ao nosso grupo.
Véspera de Natal de 2019, Santos, diante de um dos grandes shoppings da cidade, um menino, com, no máximo 8 anos, pedia ajuda sentado na calçada. Infelizmente, não estava tendo a atenção que todos gostaríamos de receber. Nem o espírito natalino conseguia fazer com que enxergássemos uma criança pedindo carinho e atenção. Do outro lado da rua, outro garoto, mesma idade, também pedia ajuda, mas acompanhado de seu cachorrinho. Este menino fez sucesso, mas provavelmente estivéssemos mais consternados com a situação de abandono do animal.
Nos primeiros tempos da pandemia, em meados de 2020, imaginávamos que o isolamento social nos faria repensar as relações humanas, nosso estilo de vida e nos tornaríamos mais solidários. Muita coisa mudou, várias iniciativas de sucesso tentam garantir dignidade e sobrevivência a todas as pessoas, mas ainda não temos um "sindicato", um grande "sindicato", que nos deixe indignados com a fome, a desesperança e a morte de nossos irmãos.
Por que a imagem de um cachorrinho abandonado nos sensibiliza tanto? Talvez porque um animal não tenha como garantir sua sobrevivência no meio de uma cidade de concreto. E uma criança para quem a vida nada ofereceu, tem condições de se cuidar sozinha, aos 8 anos?
Abramos os olhos! Aquela criança poderia ser qualquer um de nós. Tudo o que somos e temos é fruto de nosso trabalho e esforço, e das oportunidades que a vida nos ofereceu. Ninguém se faz sozinho! Aqueles que, por talento e esforço, alcançaram o sucesso e ocupam posições de destaque na sociedade, têm muitos méritos em suas conquistas, mas se não tivessem saúde, dinheiro e o apoio de alguém, não teriam "vencido" na vida.
Pensemos na educação pública brasileira, e infelizmente naquela oferecida em muitas escolas particulares. Antes da pandemia, tínhamos ensino ruim, alunos desinteressados, professores exaustos, desmoralizados e desprestigiados. Escolas fingindo que ensinavam e alunos pouco preocupados em aprender. Agora, infelizmente, a situação é ainda pior. Aulas remotas podem ser uma solução, mesmo que paliativa, para alunos mais velhos, que tenham um bom pacote de dados de internet, um celular, tablet ou laptop, e espaço em casa para acompanhar atentamente seus professores. Crianças pequenas não conseguem manter a atenção a uma tela de computador.
Uma geração de jovens está sendo muito prejudicada na sua formação e os reflexos serão sentidos daqui alguns anos. Além das questões de aprendizado, a impossibilidade de conviverem com seus amigos e colegas os deixa inquietos, tristes, desanimados, sem perspectivas, os tornando motivo de grande preocupação para os pais. Também precisamos considerar os problemas, angústias, medos e dificuldades que professores e demais profissionais da educação, seguranças, merendeiras, funcionários da limpeza, administração, gestão e manutenção das escolas, estão enfrentando.
Afinal, o ambiente escolar é seguro para seus filhos, funcionários e professores? Provavelmente, a resposta seja sim e não. Na Inglaterra, Dinamarca, Nova Zelândia e em boas escolas particulares brasileiras existem protocolos seguros, que oferecem condições adequadas para justificar a volta às aulas presenciais, tão importantes na formação de jovens. Mas, infelizmente, isso não ocorre em muitas escolas, que já eram ruins antes de 2020, e que agora, além de tudo, oferecem riscos à saúde da comunidade que a frequenta.
A resolução de tantos problemas, desta equação com muitas incógnitas, não é fácil, desafiaria os maiores matemáticos, mas começa com a valorização da instituição escolar, dos profissionais que a mantém funcionando e do real desejo de oferecer educação de qualidade.
Para essa grande tarefa, há um exército enorme de soldados, com "giz nas veias". Os professores são apaixonados por aquilo que ensinam, pela sua profissão e principalmente pelos seus alunos.
Escolas de excelência dispõem de muitos recursos tecnológicos, cada vez mais importantes, mas se destacam pelo respeito e valorização aos seus funcionários e professores.
Que possamos formar um enorme "sindicato", todos se preocupando com todos, juntos lutando por um Brasil melhor e mais justo. Ou continuaremos deixando a poeira debaixo do tapete? Arregace as mangas e participe dessa importante empreitada!
* Prof. Marco F é bacharel em Química (IQUSP-SP), professor desde 1987, coach certificado (IBC), radialista e jornalista.